É impossível falar de previdência sem pensar em trabalho.
O mundo passa hoje pela chamada revolução da longevidade. Nunca se viveu por tantos anos em toda a história da humanidade: uma criança nascida no ocidente hoje tem mais de 50% de chance de viver até os 105 anos. Essa probabilidade era de apenas 1% para quem nasceu no século passado.
Com o envelhecimento populacional e os desafios do sistema público de previdência e assistência social, planejar a velhice e poupar a longo prazo nunca foi tão importante. Mas há outro fator decisivo nessa equação: se vamos viver mais, isso significa que trabalharemos por mais tempo.
Essa nova configuração social tem transformado as relações entre as pessoas e o trabalho. A psicóloga Ana Thereza Almeida, que atua há mais de 30 anos na área de recursos humanos ajudando jovens, universitários e profissionais a planejar suas carreiras, tem sentido de perto a mudança. Em sua rotina, tornou-se comum atender pessoas em busca de novos caminhos e possibilidades de atuação em diferentes mercados.
Segundo a psicóloga, se no passado os indivíduos não buscavam prazer no trabalho, hoje as gerações mais novas tendem a procurar um sentido pessoal na profissão. Além das questões objetivas de sustento e manutenção de um determinado padrão de vida, espera-se também encontrar uma fonte de realização.
“Com a revolução da longevidade, precisamos nos reinventar algumas vezes. A carreira é uma trilha; não existe ponto final. Você vai planejando sua trajetória ao longo do caminho, mudando e ajustando o rumo quando for desejado ou necessário. Para isso, é fundamental investir no autoconhecimento, entender bem as próprias capacidades e diferenciais. A clareza sobre si mesmo permite que você compreenda como é capaz de contribuir com o outro e com a sociedade”, pontua Ana Thereza.
Para que os anos a mais se transformem numa travessia interessante e prazerosa, é preciso traçar o curso de vida cada vez mais cedo. Um mercado de trabalho flexível e desafiador vai demandar pessoas capazes de se adaptar a mudanças. “Com visão de futuro e planejamento, uma vida longa é um presente, não um martírio. É uma vida cheia de possibilidades, e o maior presente é o presente do tempo. Como você escolhe usar e estruturar esse tempo é a questão central em viver mais”, pontuam a psicóloga Lynda Gratton e o economista Andrew Scott, professores da London Business School, no livro 100-year life: living and working in an age of longevity (em tradução livre, “Uma vida de 100 anos: viver e trabalhar na era da longevidade”).
Ter duas ou três profissões ao longo da vida será cada vez mais comum. Especialistas defendem a ideia de uma carreira com múltiplos estágios com intervalos e transições. Em determinado período, a prioridade pode ser aumentar a renda para financiar um imóvel; em outro, o interesse pode ser investir num mestrado, doutorado ou quem sabe trabalhar de casa para ter mais disponibilidade de tempo e acompanhar a criação dos filhos pequenos.
Pesquisadores estudam o impacto da longevidade nas relações sociais de trabalho e na importância da criação de políticas públicas. “Tradicionalmente, viver por mais tempo é visto como ser velho por mais tempo. Evidências apontam que esse entendimento será revertido, as pessoas serão mais jovens por mais tempo”, projetam Gratton e Scott.
Para Ana Thereza, pensar na aposentadoria às vésperas é um grande erro. “É cada vez mais importante planejar a segunda ou terceira carreira, pensar em qual atividade você gostaria ou poderia exercer para sustentar o padrão de vida que gostaria de ter. Neste sentido, praticar o autocuidado nunca foi tão essencial. Já que a tendência é vivermos uma vida mais longa, é preciso cuidar da saúde física e mental. Vamos precisar desses recursos em dia por muito tempo”, comenta.
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