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Infectologista do Hospital Oswaldo Cruz indica ref...

Infectologista do Hospital Oswaldo Cruz indica reforço nas medidas de prevenção à pandemia

Desde março de 2020, o infectologista Vicente Vaz trabalha na linha de frente de combate à pandemia do coronavírus. Médico do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, tem mais de 30 anos de profissão: já enfrentou epidemias como da cólera, influenza, dengue e HIV/Aids. 

“Estamos vivendo um momento crítico com a segunda onda da Covid-19 no Brasil. A solução virá das vacinas, do isolamento social e do uso de máscaras. Precisamos combater o negacionismo e valorizar a ciência”, ponderou o médico em encontro online com os funcionários da Fachesf no último dia 20 de abril. 

Confira abaixo as principais respostas de Vicente Vaz às dúvidas de funcionários da Fundação. 

Quando o senhor acha que vamos voltar a ter uma vida mais ou menos normal?

É impossível prever isso, sobretudo no Brasil. Demoramos muito em começar a vacinar a população. Temos uma capilaridade e capacidade de vacinação reconhecidos internacionalmente, o Sistema Único de Saúde tem um capital humano de excelente qualidade. O que falta é vacina em quantidade. E sem a vacinação em massa, não temos como prevê quando isso vai acabar. O objetivo é atingir, no menor espaço de tempo possível, pelo menos 70% da população brasileira. No contexto atual de falta de vacina no mercado, pelo nosso atraso, só vamos atingir isso provavelmente em 2022. 

No início da pandemia, em março de 2020, era possível prever a gravidade da situação? 

Ninguém se preparou efetivamente para o que estamos vivendo. Talvez a exceção seja a Nova Zelândia, que é um país pequeno, uma ilha que conseguiu fechar as fronteiras, testar a população em massa e rastrear os casos. Isso é o que não conseguimos ter: diagnóstico rápido, testagem, rastreio e isolamento. Essas medidas funcionam bem, mas é difícil fazer isso num país tão grande e desigual como o Brasil. O que imaginávamos no início de tudo isso é que teríamos algo parecido com a pandemia da influenza. Ninguém esperava algo tão devastador.

Como o senhor avalia os resultados da campanha de vacinação?

A campanha de vacinação é a campanha possível por conta do volume restrito de vacinas. No final de 2020, tivemos a falsa sensação de segurança de que talvez a pandemia estivesse no fim. Isso foi muito ruim porque as pessoas ficaram com percepção distorcida do risco. A segunda onda foi muito pior do que imaginávamos. Agora, no final de abril, vivemos uma discreta melhora. Mas a situação estava tão ruim que essa melhora reflete uma estabilidade de patamar muito alto em alguns lugares. Nunca conseguimos implementar medidas de restrições de mobilidade em massa de forma efetiva pelo tempo necessário porque uma imensa parte da população brasileira não tem como se sustentar durante o lockdown. É uma situação crítica. Mas a primeira dose da vacinação já atingiu 13% da população brasileira, o que já é alguma coisa.

Como o senhor avalia o perfil da população infectava na segunda onda da pandemia?

A segunda onda, com as novas variantes do vírus, atinge uma população mais jovem. Ainda não sabemos se é porque a população idosa foi vacinada e os jovens estão se expondo mais ou se é o comportamento do vírus. A boa notícia é que as vacinas disponíveis se mostraram eficazes contra essas novas variantes. O desafio é garantir rapidez na vacinação porque não temos como garantir que as vacinas disponíveis seguirão eficazes contra possíveis novas variantes. Vamos torcer e cobrar das autoridades a liberação de mais vacinas. Porque só devemos conseguir autonomia nacional na produção das vacinas no final do ano por meio do trabalho do Instituto Butantan.

Como o senhor avalia a volta às aulas presenciais no mês de abril? 

A maioria dos epidemiologistas, de quem trabalha com projeções e estatísticas, recomenda a suspensão das aulas presenciais. Isso porque a volta às aulas implica num deslocamento de muita gente, os trabalhadores da educação são muitos, professores, pessoal administrativo, porteiros, pessoal de limpeza, fora a concentração dos alunos. Isso implica deslocamento em transporte coletivo de pessoas que ainda não foram vacinadas, o que coloca a vida de muita gente em risco. O pessoal da educação só está sendo incorporado no calendário de vacinação agora. O momento para esta volta, ao meu ver, não é adequado. Mas essa é uma discussão enorme e complexa, no mundo inteiro. As crianças e famílias estão pagando um preço muito alto pelo atraso na vacinação. 

Muitas pessoas que se internaram relatam melhoras depois de tomar medicações como hidroxicloroquina e ivermectina. Qual sua opinião com relação ao uso desses medicamentos? 

Ninguém mais do que quem está na linha de frente deseja uma medicação que funcione. Mas a hidroxicloroquina e ivermectina quando usadas no combate à Covid-19 trazem riscos sérios aos pacientes, como insuficiência hepática, renal, problemas cardíacos graves. A discussão da eficácia dessas drogas já foi superada. Vários estudos sérios e sistematizados foram publicados demonstrando a ineficácia dessas medicações com agravamento de quadro de pacientes que foram para UTI e tomaram essas medicações anteriormente. Isso não é uma questão de opinião, é uma questão de ciência.  

Agora, médico é treinado para se deparar com uma doença e fazer alguma coisa, intervir, medicar. Alguns médicos não se contêm e se baseiam em estudos muito precários. Considero lamentável a confusão do Conselho Federal de Medicina em atribuir a prescrição dessas medicações à autonomia médica. Isso não é uma questão de autonomia do médico, que obviamente pode escolher medicamentos de eficácia comprovada. Todos os dias os médicos fazem escolha: por exemplo, antibiótico X ou Y, mas isso tem que estar embasado em estudos que demonstraram resultados. Não há tratamento precoce, não há kit covid. Temos um acúmulo grande de evidências contra essa droga. É uma lástima que este assunto tenha sido tão politizado. 

Qual o prazo do intervalo para aplicação da vacina para gripe e a de Covid-19? 

O intervalo de tempo mínimo necessário entre as aplicações de vacinas da Covid e influenza é de no mínimo 15 dias.

Segundo informação de abril do Ministério da Saúde, mais de 1,5 mihões de brasileiros não tomaram a 2a dose da vacina. Qual o risco dessa imunização “pela metade”?

Isso é um desastre. Precisamos garantir a imunização adequada da população, só assim sairemos desta crise. É preciso repetir o óbvio, a vacinação é urgente e indispensável. Tomar apenas a primeira dose da vacina não ajuda muito. Por isso é tão importante que as autoridades e pessoas públicas se vacinem, mostrem para a população que isso é algo bom, importante, que defendam e promovam a vacinação. Como não há mecanismos legais de obrigar alguém a se vacinar – não dá para você vacinar ninguém a força – o jeito é reforçar a campanha de vacinação e convencer as pessoas a se vacinarem. Talvez criar mecanismos como proibir emissão de passaporte, uso de transporte público para quem não se vacinar, simplesmente porque a vacinação em massa é uma questão de saúde pública. 

É válido realizar exame sorológico após a vacinação para confirmar a efetividade imunização?

Não vale a pena realizar exames sorológicos após vacinar para Covid. Os exames não servem para atestar imunidade. Poupem os recursos dos planos, usem máscara e façam o distanciamento social necessário. 

Por que as complicações e sequelas da Covid-19 variam tanto? Como tratar das sequelas? 

A recomendação é ser acompanhado pós-doença por um pneumologista ou infectologista, que avaliarão devidamente cada caso quanto a necessidade de uso de medicações. Não há como prever quem apresentará complicações ou diferentes sequelas. Eu já vi idoso com mais de 90 anos se recuperar muito bem da doença e jovem de 30 anos, sem nenhuma comorbidade, chegar a falecer. A Covid-19 é uma doença imprevisível que não apresenta ainda tratamento farmacológico. O que podemos fazer é evitar a contaminação com o uso adequado de máscara, distanciamento físico e vacina.

O que fazer quando começar a sentir os sintomas da Covid-19? 

Fique isolado, entre em contato com seu médico e monitore os sinais de alerta à distância. Mais de 90% dos pacientes vai conseguir superar a doença sem maiores problemas. Mas precisa de diagnóstico – testagem, rastreio para ver quem está perto e foi exposto, e isolamento social. É sobretudo uma questão de responsabilidade coletiva pela saúde de quem está ao nosso redor. Os sinais de alerta como falta de ar e baixa oxigenação são importantes para que o paciente vá ao hospital o mais rápido possível. Mas é fundamental o acompanhamento diário do paciente, seja remota ou presencialmente. A grande maioria vai ficar bem em casa.

Qual sua opinião com relação à vacinação pela rede privada? 

Sou completamente contra. Não há produção de vacina para todo mundo. Temos que garantir que os mais vulneráveis sejam vacinados com prioridade. Como não há vacina para todos, abrir vacinação pela rede privada configuraria permitir que a elite econômica possa furar a fila. Precisamos garantir a vacinação prioritária, pelo sistema público, dos vulneráveis e dos profissionais fundamentais para a manutenção dos serviços essenciais. Estamos vivendo uma questão humanitária, são milhares de vidas perdidas pela doença e pelas questões econômicas que vêm junto com essa crise. Eu apoio a defesa da Organização Mundial da Saúde da quebra de patente das vacinas, para que elas sejam produzidas em qualquer lugar.

 


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